A revista Veja da semana passada – edição 2069 – publicou uma excelente matéria analítica de sua editora de cinema, Isabela Boscov, sobre Batman, O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight) intitulada Direto do coração das trevas. Se você quer conhecer um pouco mais sobre as nuances psicológicas que aproximam os dois antagonistas do filme e como o diretor Christopher Nolan (sobre ele publicarei em breve um texto) costura com extrema competência a ação do filme, a leitura dessa matéria é bastante oportuna. Isabela dá toda a dimensão desta produção em duas páginas da revista.
Como num bom filme de super-herói, o texto não perde tempo e vai direto ao ponto ao afirmar que a superprodução da Warner oferece “não só o melhor vilão de todas as adaptações dos quadrinhos para o cinema, como também, mais propriamente, o primeiro que não é uma caricatura ou uma invenção pueril. (…) O mais existencialista dos super-heróis ganha, assim, um adversário que é o seu exato oposto e complemento – um niilista“. Quadrinhos não é coisa só para crianças, embora por muito tempo essa arte tenha sido considerada menor e destinada ao público infantil. Daí, a idéia equivocada de que as adaptações para cinema de personagens saídos das páginas dos “gibis” deveriam ser simplórias.
Mas os quadrinhos, como em qualquer área da produção cultural, têm produtos infantis, juvenis e adultos. Parece simples isso, não? Portanto, as adaptações para cinema de personagens e histórias oriundas dos quadrinhos têm que ser respeitadas como qualquer outro tipo de obra. O homem-morcego já foi construído para esses diferentes públicos. Mas, definitivamente, Batman não deveria ser um personagem superficial para ser consumido apenas como um leve entretenimento infantil.
O diretor Chris Nolan sabe disso e se serve do dualismo dos personagens principais para compor a densa história do filme. Em seu texto, Isabela afirma que “a distorção que é o Coringa passa aqui a definir também Batman. Na verdade, quase que o explica. Tudo o que o milionário Bruce Wayne e seu alter ego heróico têm de perfeito e composto, o Coringa tem de desfeito e desorganizado“. Isso define perfeitamente o que os quadrinhos passaram a valorizar desde 1970, quando Neal Adams, Dennis O’Neil e Dick Giordano assumiram o personagem na revista Detective Comics. Com essa trinca de artistas, Batman retomava o lado sombrio de suas histórias e começava a ganhar uma estrutura emocional definitiva, colocando seu universo em outro patamar criativo.
O trabalho sedimentado por Adams/O’Neil/Giordano ganharia um reforço de muita qualidade 26 anos depois, quando o personagem chegou nas mãos de outro gênio dos quadrinhos, o fantástico Frank Miller. Ele desenvolveu uma minissérie densa e que marcou época: Batman, O Cavaleiro das Trevas (isso mesmo, o mesmo nome do filme que estreou sexta-feira). O sucesso foi tamanho que Miller retornaria ao personagem em 1987 para recontar sua origem em Batman: Ano Um, excelente arco de histórias desenhado primorosamente por David Mazzucchelli, que mostra o início da amizade (e cumplicidade) entre o morcego e Jim Gordon*.
Com esses elementos já sedimentados desde os anos 70, Nolan tem nas mãos material suficiente para realizar um trabalho absolutamente criativo no cinema e vários filmes. Não há o que inventar. Já está tudo lá, nos quadrinhos. É quase como um storyboard. Basta ter respeito com à obra.
* O leitor atento irá perceber que, tanto em Batman Begins quanto no novo filme, Gordon – que é interpretado pelo excelente Gary Oldman – parece ter saído das páginas de Batman: Ano Um, tamanha a semelhança entre a concepção do policial de Mazzucchelli e o ator que o caracteriza.
As imagens que ilustram este texto são posteres e uma cena do filme.
(Continua na próxima bat-postagem)