Os Strunfs não são mais aqueles

Depois que Hollywwod adaptou Os Strunfs (Les Schtroumpfs) ou os Smurfs para o cinema pensando no público americano, os famosos duendes azuis criados por Peyo, nunca mais foram os mesmos. Eles perderam o charme europeu. Os filmes realizados (foram dois até o momento!) strunfaram Les Schtroumpfs! Uma pena!

Mas, como eram os Strunfs (ou Smurfs) antes de eles invadirem Nova York? Como eles chegaram ao Brasil? Essa história começa em meados dos anos 70…

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No longíncuo ano de 1975 os duendes azuis ganharam uma revista pela Editora Vecchi (imagens ao lado as duas primeiras edições). Sim… aqui no Brasil, os simpáticos personagens foram batizados como Strunfs, que é como se pronuncia “Schtroumpfs“. Segundo Otacílio d’Assunção, o nosso Ota, cartunista criador de pérolas como Dom Ináfio e dos incríveis Relatórios Ota, “o nome, com essa grafia, foi inventado pelo Lotário Vecchi, que era diretor de publicações”. Nessa época, o nome do Ota ainda aparecia no expediente das revistas em quadrinhos da editora como “Secretário” e, mais acima, Amália C. Vecchi era a “Editora e Diretora”. Mas todo mundo sabia que o editor de quadrinhos de verdade era o Ota mesmo. Essa injustiça foi corrigida em agosto, quando ele passou a ser creditado como “Diretor” nos expedientes das revistas em quadrinhos da Vecchi.

Mas, voltando aos Strunfs, na primeira edição da revista o “Secretário” Otacílio publicou um texto de apresentação dos Strunfs na página de abertura da revista que diz assim:

APRESENTANDO OS STRUNFS
No fundo da floresta, numa pequena aldeia em que as casas são do tamanho de cogumelos, mora um povo muito alegre e brincalhão que vive sempre na mais perfeita harmonia (ou quase!): são os Strunfs, uns duendes muito parecidos com os seres humanos – não no aspecto, mas na maneira de agir.

Os Strunfs são strunfados pelo Grande Strunf, que é o mais velho e o mais sábio de todos, responsável pelas decisões importantes da aldeia. Neste número, quando ele vai strunfar no mato à procura de algumas ervas medicinais que estão faltando em seu laboratório, os outros strunfs se strunfam para decidir quem vai ser o novo líder durante a ausência do Grande Strunf. E acabam strunfando uma votação que não deixa nada a dever às de verdade. O vencedor se torna o Strunfíssimo e as confusões que ele apronta como novo líder estõa nas páginas que seguem.

Mas como surgiram os Strunfs? Eles strunfaram pela primeira vez na revista francesa Spirou, como personagens secundários de uma aventura de Johan e Pirlouit (um cavaleiro da idade média e seu escudeiro). E o sucesso foi tão grande que logo eles passaram a ter uma historinha só para eles, e em seguida começaram a sair em álbuns de luxo. Seu criador, Peyo, é também autor de várias outras histórias importantes, todas elas inéditas no Brasil. E a Editora Vecchi, após o lançamento de Mad em Português, do relançamento de Pimentinha e vários outros personagens, está muito feliz por poder strunfar para o público brasileiro os Strunfs (como parte de uma nova série de lançamentos em quadrinhos que estarão nas bancas até o final do ano).

Foi assim que Os Duendes Strunfs chegaram ao Brasil. Para saber a origem dos Strunfs, leia este texto. Leia também o que foi publicado sobre os Schtroumpfs no blog As Leituras do Pedro, publicado a partir de Portugal. O legal é que, assim como eu, Pedro também escreve “à revelia do triste acordo ortográfico em vigor”. Ele correctamente escreve em português de Portugal, e eu corretamente em português do Brasil.

Para comprar alguns álbuns originais dos Strunfs você pode tentar este site.

Ken Parker, o homem que veio das montanhas

Quando Sydney Pollack resolveu filmar o clássico faroeste Jeremiah Johnson (Mais Forte que a Vingança, no Brasil), com Robert Redford (veja o trailer no YouTube), a partir de um emocionante roteiro baseado em dois livros – Mountain Man, romance de Vardis Fisher, e Crow Killer, uma história real escrita por Raymond W. Thorp e Robert Bun-ker –, ele jamais poderia imaginar que sua realização inspirasse Giancarlo Berardi e Ivo Milazzo, dois dos maiores artistas italianos, a criar uma história em quadrinhos que se tornaria lendária. Mas foi a partir do conceito deste filme que surgiu Ken Parker, um dos mais cultuados personagens das histórias em quadrinhos italianas. “Rifle Comprido”, como é chamado pelos índios, é o próprio Redford desenhado. Em sua primeira aventura, ele ainda é um caçador que vive nas montanhas e vende peles de animais para sobreviver. E a semelhança com a realização de Pollack termina aí.

Para desenvolver as aventuras de Ken Parker, o roteirista Giancarlo Berardi e o desenhista Ivo Milazzo não trilharam o lugar-comum. Criativos e conscientes de que suas histórias ultrapassam o simples entretenimento, eles jamais iriam buscar o lugar comum em roteiros de faroeste. Na época, início da década de 1970, os dois trabalhavam nas histórias de Tiki, Il Ragazzo Guerrero, com as aventuras de um jovem índio da tribo Carajás, na Amazônia, que denunciavam a violência da região, o abuso das autoridades e o massacre de aldeias indígenas. Como se vê, argumentos pouco usuais, principalmente se considerarmos o período em que elas foram criadas.

Depois que a série de seis episódios de Tiki chegou ao fim, Berardi e Milazzo enfim, puderam se dedicar ao novo personagem. E em 1977 Ken Parker foi lançado na Itália, inicialmente para ter poucas histórias. Mas a nova revista se torna um sucesso, que se mantém por vários anos. Foram 59 edições regulares, além de uma série de 18 edições extras, e alguns álbuns especiais. A novidade é que, além de criarem aventuras absolutamente cinematográficas, Berardi e Milazzo incluem em suas histórias diversas referências culturais, sejam elas vindas do cinema, das artes plásticas, da literatura, além de referências históricas. Assim, os leitores da história em quadrinhos, viam personalidades como Marilyn Monroe (acima), Edgar Alan Poe, John Ford, Davy Crockett, Sherlock Holmes, King Kong (sim, o macaco também) e tantos outros, cruzarem o caminho de Rifle Comprido, um herói improvável, que muitas vezes se vê no olho do furacão, mas que sempre escolhe o lado do mais fraco e justo.

Ken Parker e a greve proletária: Milazzo e Berardi fazem uma homenagem ao famoso quadro O Quarto Estado, de Giuseppe Pellizza, que se tornou símbolo da luta dos trabalhadores, na história Um Hálito de Gelo. Acima, a versão colorida. Abaixo, o quadrinho que aparece na aventura.

No Brasil, a série original de Ken Parker foi lançada pela Editora Vecchi em novembro de 1978 e só terminou de ser publicada em no número 56, de agosto de 1983, ano em que a editora fechou as portas, deixando os leitores brasileiros sem as últimas seis aventuras (na Itália, a série durou 59 edições). Assim, o personagem ficou afastado das bancas brasileiras – exceto por algumas poucas edições esporádicas – até o ano 2000, quando a Mythos Editora passou a publicar uma nova série de Ken Parker, com 18 edições (batizada, na Itália, de Ken Parker Magazine). Além desta iniciativa, a Tendência Editorial e, em seguida, o Clube dos Quadrinhos-Cluq iniciaram o relançamento de toda a série clássica em formato maior e tiragem limitada, incluindo as quatro últimas aventuras que não haviam sido publicadas no Brasil (a editora Best News tentou continuar a série no início dos anos 1990 a partir do ponto que a Vecchi deixou, mas não passou de duas edições). Na verdade, esse relançamento foi uma iniciativa – e um verdadeiro tour de force – do editor Wagner Augusto, do Cluq, que passou a ter os direitos sobre os produtos de Berardi/Milazzo no Brasil.

Agora, novamente o Cluq é responsável pelo lançamento de quatro livros com aventuras inéditas de Ken Parker, publicadas originalmente na segunda metade da década de 1990 na Itália. Cada volume é encadernado com capa dura, tem mais de 180 páginas e é impresso em papel couchê. Os dois primeiros, lançados no final de 2013, são Os Condenados, no qual Ken Parker é prisioneiro numa colônia penal, e Nos Tempos do Pony Express, que relata as aventuras do herói quando adolescente. Neste início de ano chegam As Aventuras de Teddy Parker, que narra o encontro de pai e filho, e Cara de Cobre, emocionante história baseada num caso verídico sobre um índio que teve sua aldeia dizimada.

Wagner Augusto está à frente da bem cuidada edição e recebeu elogios da crítica especializada até na Itália, que considerou os quatro livros “belíssimos e elegantes”. Como é uma tiragem bem limitada, os quatro volumes não são encontrados na maioria das livrarias mais conhecidas. Mas, quem se interessar, pode encomendá-los no site comix.com.br ou pedir diretamente ao Cluq: Caixa Postal 61105, São Paulo, SP (cluq@terra.com.br).


Os novos livros de Ken Parker têm tratamento refinado: acima, uma página de As Aventuras de Teddy Parker; abaixo, uma página de Cara de Cobre.

O faroeste caboclo de Antonino

Antonino Homobono Balieiro
Hoje, dia 27 de abril de 2013, o grande desenhista Antonino Homobono Balieiro faria 60 anos. Já publiquei aqui e aqui diversos textos homenageando esta grande figura humana. Para comemorar esta data, desta vez falarei um pouco de seu talento para desenhar capas de livros de bolso e histórias em quadrinhos de faroeste e cowboys.
Rota do Oeste #1
Certa vez, quando o visitei, ele estava em seu estúdio pintando ao mesmo tempo umas doze ou quinze capas para uns livrinhos de bolso. Eram histórias do faroeste que seriam lançadas em bancas de revista. A cena era inacreditável! Antonino fazia um incrível trabalho em série: primeiro pintava uma determinada cor em todos os desenhos. Depois passava para outra cor, e assim sucessivamente. Os desenhos iam ganhando cores e formas a partir do traço a lápis numa produção contínua. A tinta usada era guache, solúvel em água. Assim, os desenhos que ainda estavam úmidos de tinta, eram pendurados numa espécie de “varal” em cima de sua prancheta, para que pudessem “secar” enquanto ele avançava na pintura das cores seguintes.
Durango #10
Para se ter uma idéia do resultado final desse trabalho do Antonino, basta ver as três artes de capas acima. Os desenhos que ele pintava naquele dia, eram assim, nesse estilo. Seu cliente era uma obscura editora (se não me engano, a Nova Leitura), que publicava esses populares livrinos de bolso, tipo pulp fiction. O mercado para ilustração e histórias em quadrinhos no Brasil era muito restrito. Então, Antonino usada desses artifícios para sobreviver: produzia rapidamente e em quantidade! Bravo Antonino!
Chacal #23 - Série Tony Carson
Antonino Homobono Balieiro também fez diversos trabalhos para a Vecchi. Ele desenhou as capas de dois importantes personagens de histórias em quadrinhos dessa casa publicadora: Chacal (Tony Carson, acima) e Chet (abaixo), uma versão tupiniquim do Tex.
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Na capa acima, de Chet, se percebe claramente que Antonino faz uma homenagem ao grande Joe Kubert, utilizando referências do trabalho desse desenhista. Abaixo, outra capa realizada para a mesma revista: a edição de número 21.
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Mais abaixo, duas páginas desenhadas pelo mestre Antonino para as muitas aventuras de Chet que ele desenhou: a primeira é a página 55, da história “Dólar falsificado” (que apresenta um romance de Chet). A outra, é a nona página da história “Os Proscritos”. Repare na beleza do traço preto e branco do mestre Antonino. Inesquecível!
Chet -Dólar falsificado.
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